Elevada inflação “nas cadeias de valor nos vários ramos continua a refletir-se no preço dos seguros”

"O ano de 2024 foi marcado por um ambiente económico complexo, com desafios como a inflação e as mudanças nas taxas de juro. Estes fatores tiveram um impacto em todo o setor segurador, e o Grupo Ageas Portugal não foi exceção", explica Luís Menezes. O CEO da Ageas Portugal alerta ainda que em 2070, a reforma será abaixo de 40% do último salário. "É necessário explicar isso às novas gerações".

Abr 9, 2025 - 07:56
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Elevada inflação “nas cadeias de valor nos vários ramos continua a refletir-se no preço dos seguros”

Luís Menezes é, desde outubro de 2024, o CEO do Grupo Ageas Portugal, sucedendo ao belga Steven Braekeveldt. A Ageas é o 2º maior grupo segurador em Portugal, com quase 16% da quota de mercado.

O novo CEO da Ageas em Portugal apresentou na semana passada a sua visão para a empresa, os desafios para o ano atual e o novo ciclo estratégico do Grupo Ageas Portugal. Em entrevista para a rubrica Decisor da Semana, publicada na edição de sexta-feira, o CEO da Ageas detalha os objetivos do novo ciclo estratégico com horizonte até 2027, onde a pedra de toque é o maior investimento no seu ecossistema de saúde.

O que vai mudar no novo ciclo estratégico em Portugal no momento em que o grupo belga inicia também um novo ciclo estratégico a nível mundial?

A transição de ciclo estratégico no Grupo Ageas representa uma evolução natural que nos trouxe novos desafios que nos vão orientar até 2027: Foco, Eficiência e Responsabilidade.

Enquanto o ciclo anterior – Impact’24 – estava focado em olhar para áreas para além dos seguros e temas da sustentabilidade, a nova estratégia – Elevate’27 – é de continuidade de crescimento com foco nas áreas-chave da empresa. Ou seja, iremos continuar a investir em projetos desde que estejam relacionados com a nossa cadeia de valor, mantendo os temas da sustentabilidade e das nossas Pessoas.

Pretendemos oferecer um incansável serviço ao Cliente e a melhor relação qualidade-preço, bem como conquistar a reputação de parceiros de confiança, junto dos nossos Clientes, Colaboradores, Distribuidores e Prestadores.

Espera crescer em todos os ramos de seguros? Ou há apostas direcionadas para ramos específicos?

Nesta fase, pretendemos reorientar a estratégia anterior e reforçar a empresa nas suas áreas core. Em primeiro lugar, dando continuidade ao desenvolvimento de um Ecossistema de Saúde robusto que ofereça uma opção complementar e acessível de cuidados de saúde, promovendo um melhor acesso, um tratamento mais rápido e uma alternativa credível a um serviço nacional de saúde sob pressão. A saúde é, assim, um dos eixos estratégicos de crescimento e de criação de valor para o Grupo Ageas Portugal, e acreditamos que podemos ir além do papel de um mero pagador/financiador de serviços de saúde e assumir um compromisso mais profundo com a saúde e o bem-estar dos nossos Clientes, tornando-nos parceiros da sua saúde.

Em outras áreas do negócio, como, por exemplo, em Multirisco Habitação, através da Ageas Repara, queremos estar junto dos nossos Clientes desde que compram o seguro até à resolução de um acidente, estando envolvidos na experiência de prestar um serviço completo.

Paralelamente, o Ageing é também um tema que continuaremos a desenvolver. No caminho para uma proposta de valor cada vez mais relevante, a par da jornada de envelhecimento dos nossos clientes e de uma abordagem 360º, temos uma missão: ser um player de referência com um papel ativo neste segmento, agarrando a oportunidade de construir uma posição única no mercado português, com um propósito claro: ‘nós cuidamos’ para que os nossos clientes possam viver em pleno nesta fase da sua jornada. Mais proteção, mais saúde e bem-estar, mais rendimento.

O grupo tem uma parceria com o BCP há mais de 20 anos, que é um case study de bancassurance em toda a Europa. Essa joint-venture é para continuar?

Sim, sem dúvida. A parceria é mesmo um case study a nível europeu e são já 20 anos de parceria entre o Millennium BCP e o Grupo Ageas Portugal, através da marca Ocidental. Graças ao empenho total de ambas as entidades, não só evoluímos, como estabelecemos novos padrões que a colaboração pode alcançar. Cada marco ao longo destes 20 anos é um testemunho da nossa dedicação conjunta à excelência e a soluções responsáveis que acrescentam valor e paz de espírito à vida dos nossos clientes. Estes 20 anos são o ponto de partida para uma colaboração ainda mais estreita no futuro, com novos produtos e serviços. Continuaremos a criar valor, a inovar e a apoiar os nossos clientes em todas as fases das suas vidas.

Portugal mantém o peso de 8% na atividade do grupo a nível mundial? Já tem as contas de 2024? Como foram os prémios e os resultados líquidos no ano passado?

Podemos partilhar que o nosso volume de negócios foi de 2,4 mil milhões de euros, com um resultado líquido operacional de 103 milhões de euros.

A estratégia do ex-CEO do Grupo Ageas Portugal era ir além dos seguros. Mantém essa estratégia de aquisição de empresas de outras áreas, ainda que complementares à atividade seguradora?

No ciclo anterior, explorámos novas oportunidades de diversificação do negócio com a criação de novas empresas de serviços (Pétis, Kleya e Livo). Estas três empresas não atingiram os objetivos a que se propunham, e nesta fase, estamos a reorientar esta estratégia de diversificação para áreas mais estratégicas, como é o caso da saúde, multirriscos habitação e automóvel. Por exemplo, através da Médis, estamos a fazer evoluir o nosso ecossistema a nível da prestação de serviços e capilaridade nacional. Quem tenta coisas novas vai falhar, e falhar é essencial para querer inovar.

Têm dito que querem verticalizar a área da saúde. Já têm as clínicas dentárias Médis e estão a apostar na fisioterapia, que têm dito que é para continuar. No novo plano estratégico, o vosso desígnio é ter mais ativos na área da saúde? A compra de um hospital está no vosso horizonte? Como a Fidelidade, que tem o Luz Saúde (para onde procuram agora uma parceria de capital minoritária).

O ramo da saúde é um dos eixos estratégicos do Grupo Ageas Portugal, representado pela marca Médis. Por essa razão, o Grupo encontra-se numa constante procura de novas oportunidades de crescimento na área, estando sempre atento ao mercado. Queremos continuar a oferecer serviços de qualidade e manter-nos competitivos no setor da saúde em Portugal. No entanto, ambicionamos, neste ciclo estratégico, continuar na evolução de passar para prestador de saúde.

Os preços dos seguros têm vindo a aumentar e a queda da inflação não inverteu essa tendência. Num país de baixos salários, não teme que o negócio sofra um revés por falta de poder de compra das famílias para suportar seguros cada vez mais caros, sobretudo de saúde?

O ano de 2024 foi marcado por um ambiente económico complexo, com desafios como a inflação e as mudanças nas taxas de juro. Estes fatores tiveram um impacto em todo o setor segurador, e o Grupo Ageas Portugal não foi exceção. As cadeias de valor nos vários ramos continuam a ver elevados níveis de inflação, que se refletem no preço dos seguros.

Considera que a poupança não tem sido apoiada em Portugal, nem do ponto de vista legislativo, nem do ponto de vista da literacia? O que é preciso fazer?

A literacia financeira não pode ser tema de luta política. É, hoje em dia, um direito educacional que todos deviam poder ter. Em 2070, a reforma será abaixo de 40% do último salário. É necessário explicar isso às novas gerações e dar-lhes as ferramentas para se poderem preparar, gerindo melhor as suas finanças no futuro.

A Ageas Portugal quer crescer a quota de mercado mantendo a rentabilidade. Há espaço para crescer por aquisições no setor?

Estamos comprometidos em aumentar o foco num crescimento rentável, ambicionando ser líderes em eficiência e na gestão de custos e excelência operacional, e, simultaneamente, melhorando ainda mais o nível de serviço prestado aos nossos Clientes e respetivos Distribuidores.

O crescimento via aquisições está no nosso mapa estratégico para os próximos anos.

Apesar da grande experiência de gestor (esteve na Explorer e na Unilab), é a primeira vez que fica à frente de um grupo segurador. É um desafio?

O setor segurador é sexy e altamente relevante para a Economia Nacional. Comercialmente aguerrido e inovador, operacionalmente desafiante, com cadeias de valor diferentes e, para quem gosta da área financeira, é o local para estar. A Ageas Portugal tem a escala para poder fazer muito mais e as pessoas para entregar. É um grande desafio, mas a transição foi preparada e bem-sucedida.

Qual o segredo para gerir um grupo tão grande como o Grupo Ageas Portugal?

Não acredito em segredos de gestão, tal como não acredito em líderes providenciais. Acredito numa liderança participativa, com foco, compromisso e accountability. Acredito que temos de escolher os melhores e dar-lhes guidance e autonomia para entregarem, enquanto olham para a empresa como um sítio onde podem crescer e realizar-se profissionalmente. Temos de conseguir partilhar a nossa visão com todos na empresa e viver para melhorar todos os dias os nossos produtos e a experiência dos nossos clientes.

Ter sido gestor foi um acaso? Disse recentemente que esteve para ser médico… alguma vez se arrependeu de não ter seguido medicina?

Foi um acaso e não foi planeado. Era suposto ser médico, estive em engenharia e acabei por escolher Economia. E, a partir daí, começou uma paixão pela gestão, pela liderança de pessoas, por sonhar projetos em conjunto, desenhar o mapa de implementação e fazê-los nascer. Nunca me arrependi de não ter seguido Medicina – a esta distância, acho que foi uma das melhores decisões da minha vida (sendo a mais importante ter-me casado com a minha mulher e o projeto mais importante o filho fabuloso que temos em conjunto!).

Qual a sua citação preferida?

Gosto muito de usar uma citação do Colin Powell: “There are no secrets for success. It is the result of preparation, determination and hard work.” E a esta junto uma de Seneca: “A Sorte é quando a preparação se junta com a oportunidade.”