Análise Econômica do Direito: Uma Realidade
Forbes, a mais conceituada revista de negócios e economia do mundo. As consequências econômicas das decisões judiciais, sim, importam na visão do Direito O post Análise Econômica do Direito: Uma Realidade apareceu primeiro em Forbes Brasil.

Forbes, a mais conceituada revista de negócios e economia do mundo.
Eficiência, previsibilidade e consequências são, sem sombra de dúvidas, palavras de ordem de todo bom empresário em qualquer segmento de mercado.
Na cabeça de quem empreende no país e do gestor da atividade produtiva de qualquer porte é trivial (e até mesmo intuitiva) uma preocupação perene com a eficiência do seu negócio, com o contexto da operação, com a consistência das regras do jogo e com os resultados práticos de escolhas gerenciais. Uma inquietude, arraigada de obstinação e de muita dose de resiliência, de dirigir o processo de escolhas mirando a otimização dos meios produtivos, buscando evitar externalidades negativas e seus impactos perniciosos. Isso é mais do que natural (e até legitimo), considerando todas as dificuldades que o empresário brasileiro enfrenta para prosperar no Brasil. São inúmeros e inúmeros obstáculos, de todas as ordens, que precisam ser superados diuturnamente para que os negócios sejam desenvolvidos e mantidos com saúde financeira.
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Nada de recente há nisso. Ao contrário, o pensamento estruturado sobre conceitos cardeais da microeconomia já de longa data ocupam a experiência empresarial, aplicada na criação, na manutenção e no crescimento de companhias. Cada vez mais se vê a difusão dos contributos e lições deixadas pela economia comportamental – cujos acadêmicos já foram inúmeras vezes laureados com prêmios Nobel de economia – ocupando a mentalidade dos órgãos de direção das empresas nos mais variados setores produtivos. A lógica econômica, tal como descreveria a expressão popular, já está no sangue no empresário.
O que isso tem a ver com o Direito? Tudo, atualmente!
O grande canyon que distanciava a Economia e o Direito não mais existe. A visão empresarial agora desponta como descoberta recente no pensamento jurídico brasileiro.
É bem verdade que o Poder Judiciário, que tem suas raízes fixadas em um background diferente, está habituado a fazer uma análise jurídica da economia ou mesmo intervir (por muitas vezes indevidamente) na economia por intermédio de decisões judiciais. Mas até pouco tempo nunca tinha se dado ao trabalho de fazer uma análise econômica sobre o Direito. Tal questão, de suma relevância, foi recentemente levantada pelo Ministro Luiz Fux, na ocasião Presidente do Supremo Tribunal Federal, em conferência dedicada ao tema da Análise Econômica do Direito e o papel da Constituição na realidade brasileira.
Mas, afinal, o que é Análise Econômica do Direito?
A Análise Econômica do Direito é uma escola de pensamento que nasce na Universidade de Chicago, que propõe a máxima eficiência do Direito em uma análise de custos e benefícios dos instrumentos jurídicos, funcionando como vetores de estímulo ou desincentivo a determinadas condutas. Tomando de partida as reflexões de Richard Posner no “Economic Analysis of Law” (1973), a escola propaga a aplicação de teorias e métodos empíricos e a incorporação do pragmatismo e do realismo jurídico como paradigmas da estruturação do pensamento jurídico. E, por fim, assenta a necessidade de uma visão consequencialista das decisões judiciais, que leve em consideração o contexto do problema e as consequências práticas no mundo real.
As bases fundamentais fixadas inspiraram a estruturação de modelos de aplicação da análise econômica dos institutos jurídicos, como o desenvolvido na Universidade de Yale sob a ótica da responsabilidade civil e na escola de Harvard, que se propôs a identificar a influência daqueles paradigmas na estratégia do jogo processual (como, por exemplo, a ponderação entre litigar até o fim ou evitar o conflito mediante acordos) e o modelo de economia comportamental (Behavioral Law and Economics) propondo incorporar variáveis cognitivas e psicológicas para o aprimoramento da aptidão preditiva de comportamentos da análise econômica.
A quem o Direito se dirige? Os institutos jurídicos também não deveriam ser analisados com as lentes de vetores de racionalidade e eficiência? As consequências das decisões judiciais importam no mundo real e devem ser levadas em consideração? O Direito é um universo próprio, isolado, que ignora as repercussões econômicas?
Bebendo na fonte da Análise Econômica do Direito, as respostas para tais indagações vêm ocupando cada vez mais a cabeça do jurista moderno, os bancos das universidades e, para o que interessa a este artigo, os Tribunais do país. Não numa lógica de antagonismo à lei, mas sim numa interpretação em consonância com as manifestações da vida social e econômica.
Sem criar uma rusga sequer na Constituição Federal, o ordenamento jurídico atual contempla uma série de diretrizes marcantes nessa direção, que atuam como paradigma intelectual na formação de decisões. Agora, diferentemente de um passado recente, isso é algo desejado e até incentivado pela legislação brasileira. Nos tempos atuais, é obrigatória a ponderação em torno das consequências práticas ao se decidir, e se afigura exigência legal nas esferas administrativa, controladora e judicial.
As alterações promovidas pela Lei nº 13.655/2018 na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei nº 4.657/1942) e o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015) representam um verdadeiro turning point na visão do jurista moderno, com a difusão da cultura da Análise Econômica do Direito, trazendo para o mundo jurídico os motes de eficiência, de racionalidade, do consequencialismo e de segurança jurídica.
Alvo de desejo do legislador brasileiro, uma análise em perspectiva econômica das consequências, repercussões e desdobramentos é também uma ambição no sentido de fortalecer o sistema jurídico com ferramentas para lidar com os dilemas da quadra contemporânea. O gosto do jurisdicionado pela litigância e o sentimento de desconfiança com a previsibilidade da resposta jurisdicional e a segurança jurídica são peças-chaves de uma conjuntura de sobrecarga do sistema judiciário. Aquilo que a literatura até já descreveu em plano teórico como a “tragédia do judiciário” pode ser bem percebida, na experiência prática, nos números impressionantes que aparecem em relatórios de monitoramento do Conselho Nacional de Justiça: a edição 2024 do “Justiça em Números” registra o ingresso no sistema judiciário de 35,3 milhões de processos judiciais novos, compondo um acervo global de 83,8 milhões de processos em tramitação. De tão impressionantes que são as cifras frequentaram recente artigo da Folha de São Paulo, assinado pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Herman Benjamin, no qual se noticia que os 33 Ministros da Corte proferiram em 2024 uma média de 700 mil decisões, “aproximadamente uma em quatro minutos e meio”, para lidar com o ingresso de mais de 500 mil novos recursos se juntando ao acervo já existente.
Os custos dessa sobrecarga do Judiciário já atingem 1,3% do PIB nacional e o seu crescimento contínuo, estressando ainda mais a elevação do gasto público nacional, reflete negativamente no crescimento econômico, afeta o risco Brasil e afasta investimentos no setor produtivo. Quem paga essa conta, ao final e em essência, é a sociedade brasileira.
A crise que hoje atormenta o Judiciário lhe põe diante da indagação, oportuna e relevante, sobre como seguir adiante.
Não faz mais sentido para o Direito notar que o Brasil nunca figurou entre as 100 melhores nações ranqueadas no relatório Doing Business, sendo que no último relatório publicado em outubro de 2019, o país foi classificado na 124ª posição dentre as 190 (cento e noventa) economias avaliadas.
Fazendo a sua parte, o Conselho Nacional de Justiça até já atualizou a regulamentação dos concursos públicos para ingresso na carreira da Magistratura para incluir o pragmatismo, a análise econômica do Direito e economia comportamental no conteúdo teórico exigido do postulante na carreira. Não cabe mais, portanto, a máxima de Zeca Pagodinho do “você sabe o que é caviar? Nunca vi, nem comi, eu só ouço falar”. Todo novo juiz, para virar juiz e exercer esse sagrado sacerdócio, terá que estudar Análise Econômica do Direito e ter sua mente aberta para fazer uma análise holística dos casos para além do mundinho pequeno das velhas lei escritas.
Por sua vez, os Tribunais Superiores cada vez vêm buscando em conceitos da microeconomia um aprimoramento técnico da fundamentação de seus acórdãos sob o olhar das consequências práticas do que se decidiu. Assim se viu, recentemente, em julgamentos emblemáticos em temáticas constitucionais, processuais penais e tributárias.
Para além da toga, a bandeira da Análise Econômica do Direito também carrega pelos quatro cantos do país essa incumbência à advocacia, pública e privada, e ao próprio Ministério Público. Afinal, o aprimoramento do sistema judiciário é função de todos que tem por mister operá-lo.
O advogado, na defesa dos interesses de quem o contrata, tem que “vestir os sapatos do cliente”, arregaçar as mangas e lutar incessantemente para que o julgador, em qualquer instância, entenda muito bem qual a repercussão prática na decisão que será proferida daquele litígio. E mais: se a briga não for a solução (seja pela fragilidade do direito do cliente, seja pelo tempo que será despendido num processo judicial ou arbitral), o advogado tem a obrigação de buscar o melhor acordo possível que satisfaça os interesses dos clientes.
O que alguns diriam ser novidade para a cultura jurídica nacional já se apresenta hoje como uma tendência no sistema judiciário brasileiro. Uma tendência que terá pela frente não somente os desafios postos pelo quadro de crise sistêmica, mas a própria resistência daqueles que vão contra a Análise Econômica do Direito, por predileções pessoais ou ignorância.
Tenhamos em mente que toda evolução jurídica só se legitima quando encontra nas manifestações da vida social e econômica a sua razão de ser.
“Saibamos distinguir o novo do estranho”, como nos ensina o poeta Fernando Pessoa[1].
Naturalmente, em uma sociedade plural e dinâmica como a que temos na quadra contemporânea, o que hoje é visto como novidade por alguns, para outros pode já soar como notícia antiga ou representar algo já vivenciado na prática em alguns países desenvolvidos. Nenhum demérito se há de reconhecer nisso. Somos humanos. Mas evoluir é necessário.
Tal constatação não pode nos cegar para uma realidade auspiciosa, ainda que seja para tentar. A perseverança está no DNA do empresário brasileiro e aqueles que o cercam devem estar à altura.
A Revista Forbes é indiscutivelmente o melhor veículo de comunicação do empresário moderno, sempre antenado às novidades e ao dinamismo da vida real. Nos fornece, dia após dia, informações relevantes, que muitas vezes nos fazem parar para refletir o rumo dos negócios diante das inovações.
Portanto, não há melhor lugar para trazer essas novas luzes da Análise Econômica do Direito, que é um instrumento de esperança para um sistema de justiça mais eficiente e atento às manifestações da vida social e econômica.
É algo novo no Brasil? Sim. É algo possivelmente disruptivo para alguns? Sim. É uma panaceia para todos os problemas do Poder Judiciário? Certamente não.
Mas certamente é uma escola de pensamento que pode auxiliar muito o Poder Judiciário não só a enfrentar os problemas do dia a dia, como também permitirá que o Brasil volte a ter sua merecida credibilidade outorgando um ambiente de negócios saudável e seguro.
Nesse belo caminho de enfrentamento do novo como verdadeira aspiração por algo maior e melhor, sigamos como Fernando Sabino:
De tudo ficaram três coisas…
A certeza de que estamos começando…
A certeza de que é preciso continuar…
A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar…
Façamos da interrupção um caminho novo…
Da queda, um passo de dança…
Do medo, uma escada…
Do sonho, uma ponte…
Da procura, um encontro!
[1] PESSOA, F. Álvaro de Campos. Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1966, p. 390.
*Rodrigo Fux é Doutor e Mestre em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Advogado. Professor Adjunto de Teoria Geral do Processo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Professor da Escola Nacional da Magistratura – ENM e da Escola do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. Vice-Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP.
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